terça-feira, 31 de janeiro de 2012

FUGINDO DOS EXTREMOS

Não sou de hoje. Já vivi algumas décadas. Tenho visto muitas coisas irem e virem, bem como irem e não mais voltarem.
Sou do tempo em que pregadores viajavam de ônibus pelas estradas cheias de lama, especialmente no nosso sofrido Nordeste. Até empurrá-los, para saírem do atoleiro, já fiz.
Sou do tempo em que o dinheiro da passagem dos pregadores lhes era entregue contadinho, justinho, “timtim por timtim”. Nada mais.
Ofertas de amor? Que é isso, gente? Vamos deixar as heresias de lado. Tudo se faz por fé.
Vivi isso por mais de 30 anos.
Até que surgiu algo novo. A consideração para com os pregadores, que vivem pela fé, mas têm, também, estômago, família e compromissos diuturnos.
Hoje estamos vivenciando os extremos, jamais sonhados antes.
Por um lado existem os pregadores que estipulam dois mil dólares por uma noite de pregação (uma noite? uma hora, melhor dizendo e no outro extremo há os pastores “amigos” que lhes dão 50 reais para um cafezinho. Um bom dinheiro para um café com biscoito, uma insignificância para comprar uma boa camisa.
Precisamos encontrar um denominador comum para essa confusão que se estabeleceu.
Existem pregadores que enriqueceram em dez anos, em seus périplos nacionais e internacionais.
Recentemente um deles confessou a um amigo meu: “estou rico, famoso e cansado”.
Existem pastores que ajustam qualquer quantia e pagam qualquer preço milionário para terem o “privilégio” de ter uma estrela em seus púlpitos, mesmo que para entregar a mesma palavra pela milésima vez. Literalmente.
Existem líderes que dizem: “pode deixar, eu sei abençoar os homens de Deus” e estes são despedidos com preciosos tapas de fraternidade e orações poderosas. Ajuda financeira, que também vale nada.
Está faltando equilíbrio.
Entregar fortunas, recolhidas do dízimo suado dos membros da Igreja, para enriquecer as múltiplas contas bancárias dos pregadores-empresários, talvez não tenha muito apoio lá em cima.
A manipulação e a malversação do dinheiro sagrado de ofertas e dízimos certamente se constituem em novo item para o Tribunal de Cristo.
Certa igreja, que conheço muito bem, “contratou” um desses famosos para três dias de Congresso, numa igreja na terra de Tio Sam.
Jamais se viu ou ouviu tanta agitação. O povo literalmente pulava, corria e gritava, indo quase ao delírio. O discurso (mensagem? vamos usar as palavras com sabedoria, gente!) era de encomenda para conduzir a platéia às fronteiras do delírio.
Não foi um Congresso de Pão. Quase diria que foi de circo.
Na segunda-feira que se seguiu a Comissão reuniu-se para fazer a avaliação, a fim de apresentar ao Criador os frutos alcançados pelas criaturas.
Balanço final: 14 mil dólares de gastos, incluindo telefonemas internacionais, dados pela majestade, a fim de ajustar outros compromissos. Nem uma decisão para Cristo, nem uma reconciliação, nem um batismo com o Espírito Santo.
Deixo-lhes uma pergunta: valeu a pena?
Ultimamente minha esposa e eu decidimos de comum acordo combinar previamente com aqueles que nos convidam (com algumas exceções) os termos da oferta de amor.
Ela tem encontrado alguns que perguntam: “somente isso, irmã”? Eles se espantam, pois já haviam contatado os mega-pregadores, habituados a cachês milionários, com exigência inclusive para uma passagem extra: para o empresário (misericórdia!) ou para o “pajem de armas” que acompanha o notável tribuno, com a responsabilidade sacerdotal (!) de vender seus DVDs, bem como a árdua tarefa de contar e guardar o dinheiro.
Esta matéria teria o cheiro de desabafo?
Veja o outro lado da questão: o diabo, os demônios e o inferno não são capazes de apagar um avivamento.
Nós mesmos podemos fazê-lo. Tudo começa quando perdemos o equilíbrio.
PR.GEZIEL GOMES.

A SORTE DOS DESGRAÇADOS!

Não aguento mais ser pesado, medido, comparado, avaliado. No instante em que me puxaram de dentro da mamãe, começou: “Quantos centímetros?” “Qual peso?” “E a cor dos olhos?” “Com três meses, sentou?” “Já engatinha?” “Aprendeu a ler com que idade?” “Passou de ano?” “Tirou dez em álgebra?” “Sabe trigonometria?” “Domina quantos idiomas?” “Tem pós-doutorado em que áreas?”.
Fico a imaginar o constrangimento da vizinha que teve  filho com menos quilos ou com lábio leporino. Qual o peso nos ombros dos pais do menino com alguma anomalia genética? O que dizer para a menina de seios pequenos? O que pensar da enfermeira? – ela não chegou a ser médica! Por que Deus distribui seus dons sem critério?
Para mim, chega. Esse campeonato além de não ter nenhum vencedor, cansa. Desisto de chegar em primeiro lugar. Abro mão da primeira fila de cadeiras. Estou ficando velho para entrar em octógnos com gente de QI anabolizado.
Sinto-me parceiro de Álvaro de Campos no Poema em Linha Reta. Eu também ando farto de semideuses. Mas, vou além dele. Peço licença, quero sair. Não ambiciono o título de ungido. Não procuro a sorte dos biliardários. Abro mão das unanimidades. Não pretendo romper qualquer faixa de chegada. Os bravos que fiquem com suas medalhas penduradas no peito. Não quero ser dono de jato ou helicóptero. As autoridades que se atem com os protocolos do poder.
Assumo: a vida me escanteou para as margens – mas estou bem. Sinto-me crescentemente confortável na companhia dos reles. Acho que já posso ser bem vindo no jantar dos pecadores. Eu, “que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas”, agora me sinto à vontade entre proscritos.
Ponho-me a caminho dos esteticamente feios, dos pobres, dos discriminados, dos exilados, dos falidos. E nessa jornada, redescubro a inebriante verdade bíblica de que Deus preferiu fazer morada no acampamento do oprimido. Ele amava as mulheres menos amadas, e fez com que fossem as mais férteis. Para ele, os gigantes encarnavam o mal e os baixinhos eram gente “segundo o seu coração”.
Sucesso, felicidade, liberdade, não seriam a maldição de Mamon? Será que são mesmo desgraçados aqueles que a Fortuna, deusa sem alma, não brindou? Então, qual o consolo dos negros que morreram nos fétidos porões de transatlânticos? Que estavam sendo poupados da escravidão? Ou será que todas as divindades esqueceram deles? Estavam sós, mulheres queimadas sobre a madeira verde da Inquisição? Chamaremos de bastardos de Javé os soldados rasos que o gás de mostarda asfixiou nas trincheiras da Primeira Grande Guerra do século XX?
Todos os dias, milhões nascem destinados ao anonimato e milhões somem da vida marcados pela miséria. Os pobres se dissolvem em alguma cova rasa. Eles não terão memória. O tempo os esmigalhará em nada. A vida é dolorida, assombrosamente dolorida, para a maioria. Fala-se em compaixão. Palavra fútil. Não haverá compaixão enquanto não se descer do comboio do triunfo.
Levei enxovalhos. Qual foi o meu sofrimento diante da agonia das crianças de Darfur? Sofri olhares de soslaio. Chego a envergonhar-me de minhas aflições. A fotografia de um bairro do Haiti debocha de qualquer lamento meu. Contudo, os poucos e ridículos constrangimentos que rondaram a minha vida serviram para que eu desistisse de segurar o cabo-de-guerra dos bem sucedidos.
Sei que um dia, mais cedo ou mais tarde, todos chegaremos ao fim. Naquele dia, alcançaremos os perdedores. Seremos tão pobres quanto o mais pobre pária indiano, tão frágeis quanto as mais frágeis meninas nordestinas que se prostituem, tão solitários quanto o desterrado africano. E agradeceremos por Deus não dar as costas aos morimbundos. Melhor começar agora a considerar-se derradeiro e não cabeça, louco e não genial, pobre e não abastado.
Soli Deo Gloria
Gondim.